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Foto do escritorAntonio Silva

Vamos falar de sexualidade?


Confundir sexo e sexualidade é comum, mas mais comum ainda é criar e alimentar tabus referentes à sexualidade da pessoa com deficiência. E são muitos tabus: pessoas com deficiência são assexuadas, não sentem prazer, não podem ter filhos... São muitos realmente. Para falar deles e alguns outros assuntos, conversamos com a musicoterapeuta e doutora em Teologia com estudos na área da sexualidade e direitos sexuais e reprodutivos, Luciana Steffen.

1- Quais os principais problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência em relação a sexualidade?


Sem dúvida, o principal problema é o preconceito, a discriminação, e até a violência enfrentadas pelas pessoas com deficiência quando se trata de sexualidade. Há uma crença de que os corpos das pessoas com deficiência são incapazes, o que foi traduzido pelo termo capacitismo, que se refere à discriminação em torno das pessoas com deficiência, baseada na suposição de que as pessoas sem deficiência têm corpos completamente capazes. Assim, as pessoas com deficiência são consideradas incapazes em muitas áreas, sendo a sexualidade, uma das áreas de maior discriminação. Familiares, profissionais da saúde, a mídia, o meio social em geral, frequentemente tratam esse assunto de forma negligente e/ou desincentivam as pessoas com deficiência a exercer a sexualidade e a buscar conhecimento sobre seus direitos na área.

As estatísticas de abuso sexual são maiores para pessoas com deficiência, e maiores ainda, para mulheres com deficiência em relação às mulheres sem deficiência, as quais enfrentam preconceitos ainda mais complexos, que misturam preconceitos atrelados à dimensão de gênero (mulher) e da deficiência.

Esses preconceitos geram falta de informação e educação sobre o assunto e a falta de materiais com uma linguagem acessível para todas as pessoas (materiais disponíveis em braile, áudio, libras e com uma linguagem acessível e compreensiva), levando as pessoas com deficiência a não terem conhecimento sobre seus direitos tanto na área da sexualidade, quanto da reprodução, e sobre as formas de exercê-los. Entre os direitos sexuais estão o direito de ter informação e educação na área da sexualidade, escolher parceiros e parceiras, decidir sobre casamento ou outras formas de relações baseadas na igualdade consentimento pleno e livre, ter uma vida sexual saudável e prazerosa, decidir sobre ter relações sexuais, ter liberdade segurança e integridade corporal no que diz respeito à sexualidade, além da decisão de ter ou não, filhos e filhas, de acordo com a organização Mundial de Saúde (OMS).

Pessoas com deficiência física também encontram entraves na falta de acessibilidade física que dificultam sua mobilidade para sair de casa e encontrar um parceiro ou parceira, frequentar motéis e acessar serviços de saúde; na falta de acessibilidade programática, que diz respeito à falta de políticas públicas e legislações sobre o assunto; falta de acessibilidade instrumental (como falta de mesa adaptada para exame ginecológico), e de acessibilidade comunicacional, caso a pessoa tenha dificuldades na fala e também para que as informações sejam compreendidas da melhor forma.


2 – Que tipos de mitos são os mais comuns relacionados a sexualidade da pessoa com deficiência?

Os mitos de que as pessoas com deficiência são assexuadas, não tendo interesse em exercer a sexualidade, e que apresentam disfunções sexuais, são os mais comuns. A discriminação social é a maior dificuldade para as pessoas com deficiência exercerem a sexualidade. As pessoas com deficiência são pessoas sexuadas que sentem desejo e prazer sexual e tem toda a possibilidade de exercer a sexualidade, de ter relacionamentos sexuais, desde que respeitando suas especificidades, sendo em algumas situações, necessárias adaptações.

Mesmo nos casos em que a deficiência tenha alguma implicação específica como sensibilidade diminuída, pouca mobilidade ou dificuldade de ereção, com informação e adaptação, as pessoas podem ter uma vida sexual prazerosa e saudável. É importante encontrar a melhor forma e mais segura de encontrar prazer sexual. Quando se masturbar sozinha é uma dificuldade para pessoas com deficiências físicas, é possível promover adaptações como uso de brinquedos sexuais adaptados ou outras formas.


3 – No que a aparência física pode ajudar ou atrapalhar no processo de descoberta e atividade sexual?

Há também um mito de que as pessoas com deficiência são pouco atraentes e por isso, incapazes de exercer a sexualidade com parceiros ou parceiras. Esse mito, junto com outros preconceitos em torno da deficiência, como as expectativas por corpos ideais e que se adequem a determinados padrões de beleza, podem desincentivar as pessoas com deficiência a enxergarem seus corpos como belos e atraentes e com a possibilidade de ter parceiros e parceiras sexuais.

Existe uma ideia construída socialmente de que há um padrão corporal, um padrão de corpo considerado “normal” e “perfeito”, no qual os corpos sem deficiência seriam o ideal, pois existe uma falsa crença de que somente esses corpos são considerados capazes. Essa ideia não passa de um mito e é completamente opressora para pessoas com deficiência e pessoas com mobilidade reduzida. Não existe um padrão de corpo que pode ser considerado padrão, “normal” ou “perfeito”, capaz de fazer qualquer coisa. Todos os corpos são diferentes e têm limitações, assim como possibilidades. Todos os corpos são vulneráveis, “perfeitos” da sua forma. Assim como não há um padrão corporal, um padrão de aparência física também é algo inalcançável e opressor. Não há corpos com maior ou menor valor.

Todas as pessoas devem se sentir bem com seus corpos. Todos os corpos são atraentes. Desmistificar essas ideias de um padrão de corpo e padrão beleza permite aceitar o seu corpo e exercer a sexualidade, sendo essa parte importante da vida e um direito de todas as pessoas.


4 – Qual é o caminho para vencer essas barreiras e incluir também no mundo da sexualidade?

O primeiro passo para vencer as barreiras em torno da sexualidade das pessoas com deficiência é eliminar preconceitos e discriminações relacionadas à deficiência e à compreensão do corpo, como os preconceitos de que as pessoas com deficiência são dependentes e incapazes, pois esses preconceitos levam ao entendimento de que também seriam dependentes e incapazes na área da sexualidade. Essas ideias estão relacionadas à ideia de um padrão de “normalidade corporal”.

A ideia de dependência das pessoas com deficiência deve ser substituída pela ideia de interdependência. Ou seja, todas as pessoas dependem uma das outras, ninguém consegue viver completamente sozinho ou sozinha. Assim, dependência não deve ser visto como algo ruim ou incapacitante. Já, a ideia de incapacidade deve ser substituída pela ideia de vulnerabilidade, a partir da qual nenhuma pessoa e nenhum corpo é completamente capaz de fazer tudo. Todas as pessoas são vulneráveis e isso não significa necessariamente fraqueza e incapacidade. A teóloga feminista Marcia Blasi discorre muito bem sobre esse assunto na sua tese: POR UMA VIDA SEM VERGONHA: VULNERABILIDADE E GRAÇA NO COTIDIANO DAS MULHERES A PARTIR DA TEOLOGIA FEMINISTA.

Reconhecer essa vulnerabilidade permite entender todos os corpos como bons e dignos, não uns como melhores que outros. Permite compreender que todos os corpos têm fragilidades, apresentam limitações, mas ao mesmo tempo têm inúmeras possibilidades. Significa reconhecer que os corpos são dinâmicos, mudam o tempo todo, inclusive todos os corpos podem adquirir uma deficiência a qualquer momento. Temos nossos limites e nossas diferenças e assim, todos os corpos devem ser valorizados e respeitados. Assim, todas as pessoas, incluindo as pessoas sem deficiência (ou ainda, temporariamente sem deficiência) experimentam a vulnerabilidade e precisam das outras pessoas, pois todas são interdependentes. Dessa forma é preciso desmistificar que existe um padrão ideal de corpo e de beleza corporal, o que é irreal.


5 – Qual a importância da educação sexual no universo da pessoa com deficiência?

Considerando todos os preconceitos, discriminações, violências e mitos em torno da sexualidade das pessoas com deficiência, a educação sexual é fundamental para desfazer esses mitos, quebrar tabus, divulgar os direitos das pessoas com deficiência na área da sexualidade, e promover que as suas especificidades e direitos sejam respeitados e garantidos. Para tal, é fundamental uma educação acessível e que considere as especificidades das pessoas com deficiência na área da sexualidade, já que é difícil encontrar materiais informativos acessíveis e inclusive profissionais da saúde informados sobre as diferentes deficiências e suas implicações na área da sexualidade e no meio familiar e social.

Com educação, as pessoas com deficiência podem valorizar seus corpos, sem se preocuparem com as pressões sociais de cuidados exagerados com os mesmos (visando à “normalidade corporal”, a qual é irreal) e, assim, se sentirem seguras e empoderadas para buscarem satisfação sexual, com informação, dignidade, respeito, saúde e prazer. A saúde sexual e o acesso à informação sobre como se masturbar, são fundamentais.

Contudo, é preciso ampliar os entendimentos relacionados à sexualidade, considerando que as pessoas com deficiência precisam encontrar formas específicas e seguras para sentir prazer e lidar com a influência da lesão, quando esta for significativa. Somente com acessibilidade, no sentido não só de eliminar barreiras, mas de visibilizar e de considerar suas especificidades, é possível exercer os direitos relacionados à sexualidade. Ainda faltam estudos, recursos na área da saúde, tecnologias e uma compreensão sem preconceitos e discriminação que saliente a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência na área da sexualidade, independente da sua deficiência.




Luciana Steffen é bacharela em musicoterapia, mestra e doutora em Teologia, com estudos na área da deficiência e direitos sexuais e direitos reprodutivos. Atua em consultório particular com crianças com deficiência.

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